já se cansou, desapareceu, ou então casou, ou então mudou,
ou então morreu; já se acabou.
A minha geração de hedeonistas e de ateus, de anti-clubistas,
de anarquistas, deprimidos e de artistas, e de autistas,
estatelou-se docemente contra o céu.
A minha geração ironizou o coração, alimentou a confusão,
brincou às mil revoluções armando gestos e protestos e canções,
pelo seu estilo controverso.
A minha geração só se comove com excessos, com hetacombes,
com acessos de bruta cólera, de mortes, de miséria, de mentiras,
de reflexos da sua funda castração.
A minha geração é a herdeira do silêncio,
dos grandes paizinhos do céu,
da indecência, do abuso,
e um belo dia esqueceu tudo e fez-se à vida
na cegueira do comércio.
A minha geração é toda a minha solidão, é flor de ausência, sonho vão,
aparição, presságio, fogo de artifício, toda vício, toda boca
e pouca coisa na mão.
Vai minha geração, ergue a cabeça e solta os teus filhos no esplendor
do lixo e do descuido, deixa-te ir quando o sabor a acre da desistência vai
corroendo a docura da sua infância.
Vai minha geração, reage, diz que não é nada assim,
que é um lamentável engano, erro tipográfico, estatística imprecisa, puro
preconceito, que o teu único defeito é ter demasiadas
qualidades, e tropeçar nelas.
Vai minha geração, explica bem alto a toda a gente que és por demais
para sujar as mãos nesse velho processo, triste traste de Deus,
de fingir que o nosso destino é ser um bocadinho melhor do que antes.
Vai minha geração, nasceste cansada, mimada, doente por tudo e por nada,
com medo de ser inventada, o que é que te falta agora que não te falta nada?
Poderá um pobre coração contribuír para a tua regeneração,
ou só te resta morrer desintegrada?
Mas minha geração valeu a trapaça, até teve graça,
tanta conversa, tanta utopia tonta, tanto copo,
e a comida estava óptima! O que vamos fazer?
1970 ( Retrato) - JP Simões -
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