A maioria das vezes, não vejo TV. Mas, se vejo a dita, detenho-me num exercíco de observação, a que não consigo fugir.
O que nós é dado a ver sobre a realidade social portuguesa, principalmente nas televisões generalistas, é apresentado como se fosse um problema individual.
Assim, fala-se da pobreza, da falta de habitação, de crianças em risco etc., expondo sempre um caso individual, que provoca sofrimento, e cuja resolução passa, em primeiro lugar, pela realidade interna dessas pessoas.
Lá estão as Fátimas, as Júlias, os Gouchas, a apelar à solidariedade e força de vontade interna para ultrapassar " essa adversidade do destino", e apontam a força e a fé como meio, que os há-de levar à felicidade. Gastam-se horas, veinculando sempre a mesma análise dos problemas.
Quando saem de cena, e depois de desmaquilhados, apagam-se as luzes da ribalta, o olhar da câmara, e tudo volta ao mesmo. A caridade perdeu-se nos meandros da boa vontade e a força interior só leva a aceitar essa " vidinha , esse modo portuguesinho de se estar".
Estes programas, resultam na manipulação e controle de comportamentos, e de informações pessoais e/ ou colectivas, com criação de situações em que as pessoas desnudam a sua história, valores, segredos compulsóriamente, num processo mediático , e ainda assimilam comportamentos, valores princípios e informações, de forma acrítica e muitas vezes contrárias as seus interesses.
O constrangimento e a manipulação ocorrem , ainda que estas se sintam bem e contagiadas pelo clima agradável em que estes são produzidos. Mais, olham para a apresentadora como a pessoa " mágica" que terá todas as respostas para o seu sofrimento.
Mas, estes problemas são "coisas sociais", isto é, colectivas porque são fruto de uma organização social. A nossa sociedade ao se organizar de determinada forma, gera vários problemas sociais, que abrangem um determinado número de individuos, ou determinadas classes sociais. E estes só se podem resolver, mudando a organização social da sociedade. Individualmente nunca os conseguiremos resolver.
É por isso que a TV, é o objecto mais importante do enxoval, e não um electrodoméstico de elite. Ao cumprir uma forma de controle social, passando até ao vómito, essa forma de analisar os problemas, o seu preço tornou-se acessível à maioria das bolsas, mesmo a dos mais pobres, e os canais, mesmo os privados, são em sinal aberto.
É por isto também, que os governos e políticos são sempre tentados a controlar as mesmas. É o seu intrumento de trabalho e veinculação de informação mais importante.
Fica-se vazios mas, dá ânimo continuar a suportar esse vazio, porque produz a esperança que um golpe de sorte mágico, resolva as exclusões a que se foi sujeito, e que se transmitem heriditáriamente de pais para filhos, como a televisão no enxoval.